O século XX foi marcado
pelo avanço do processo de secularização que teve início no Renascimento, o que
trouxe a perda da centralidade da religião na organização do mundo, da
sociedade e dos saberes. Neste processo, campos como a ciência, o direito e a
técnica passam a ser regidos por princípios cada vez mais laicos, ou seja,
buscam fundamento em si mesmo e não mais no conhecimento religioso.
Por outro lado, o século
XX também assistiu a uma crise de plausibilidade dos sistemas científicos. O
paradigma da modernidade, surgido com o advento do Renascimento e que tem seu
auge no Iluminismo, caracteriza-se pela objetividade do conhecimento
científico, a separação radical entre sujeito e objeto e a aplicação de uma
racionalidade instrumental na relação homem-natureza, onde esta última era
vista como elemento passivo a ser explorado e apropriado pela razão humana.
No século XX, o advento
de duas guerras mundiais, a ameaça de conflito nuclear e a destruição do meio
ambiente por conta de avanços tecnológicos, levaram a uma crise deste paradigma.
Segundo Giddens (1991), a modernidade é caracterizada percepção do risco e da
incerteza. Tanto nas ciências naturais quando por parte de filósofos e humanistas
passou a ser voz corrente o questionamento das possibilidades de obtenção de um
conhecimento objetivo, racional e seguro. Por outro lado, dependemos cada vez
mais destes conhecimentos técnicos para gestão da vida cotidiana.
O paradigma hermenêutico
que teve como expoentes Dilthey e Weber, postula a inexistência de
objetividade, visto que todo conhecimento sobre o ser humano depende do
encontro entre duas subjetividades, a do pesquisador e a do pesquisado. Nas
ciências naturais a descoberta da dualidade onda-partícula, postulada pela
mecânica quântica e a teoria da relatividade de Einstein também comprovaram,
por meios físicos e matemáticos, que a natureza não pode ser tomada como um
dado objetivo, pois se modifica a partir da perspectiva sob a qual ela é
observada.
Estas críticas dão origem ao paradigma holístico, que busca a
superação da dicotomia entre homem e natureza que serviu como base ao projeto
de uma ciência neutra, ou objetiva. Para o pensamento holístico todo
conhecimento é visto como parte de um todo, no qual o ser humano passa a ser
percebido como parte integral da natureza. Esta visão de mundo serve de base
para muitas terapias, técnicas ou saberes, a maioria deles de origem
não-ocidental que são utilizados para restaurar a unicidade entre o indivíduo e
o seu meio, um equilíbrio perdido com a visão fragmentada de sujeito construída
no Ocidente.
Muitos desses saberes são
partes de tradições milenares deixadas à margem da ciência ocidental, como a
astrologia, ou de conhecimentos tradicionais orientais até pouco tempo
desconhecidos no Ocidente, como a acupuntura ou o reiki. Mas podem também
compreender uma série de práticas de origem recente como as danças circulares
sagradas, a biodança, etc.
Segundo Teixeira (1996),
o paradigma holístico nasce da crise da racionalidade newntoniana-cartesiana e
postula a transdisciplinaridade. Para a autora:
A
postura transdisciplinar é uma atitude de encontro entre ciência e tradição,
entre ciência e sabedoria. A transdisciplinaridade reata a ligação entre os
ramos da ciência com os caminhos vivos de espiritualidade (p. 287).
Hoje é possível
verificar, mesmo no Brasil, a oferta de cursos de astrologia, yoga, reiki e acupuntura no seio da Universidade.
Por outro lado, os especialistas nestes saberes possuem uma rede de
conhecimento paralelo à academia, muitas vezes organizados nos mesmos moldes
desta. Alguns exemplos de instituições transmissoras de saberes holísticos que
funcionam de forma paralela às universidades são: Universidade Rosa Cruz,
Universidade de Yoga, Universidade Aberta, Universidade Holística, etc. Nestas
instituições são transmitidos, nos moldes acadêmicos, os saberes anteriormente
deixados à margem das academias por não se enquadrarem na matriz de pensamento
da ciência moderna. Tais instituições possuem currículos e conteúdos e outorgam
diplomas usando a mesma lógica e racionalidade da educação ocidental.
Enquanto existe uma faceta
da modernidade que questiona a hegemonia da ciência e atribui espaço e
legitimidade a outros saberes, a perda da centralidade da religião,
especialmente da Igreja Católica, foi acompanhada por uma pluralização do campo
religioso no Ocidente, o que levou a uma maior liberdade individual na escolha
das formas de crer.
Devido à fragmentação de
conhecimentos e subjetividades no mundo contemporâneo alguns autores preferem
caracterizar o período que vivemos hoje sob o rótulo de pós-modernidade.
Entendem que o termo moderno refere-se à ordem social criada com o Iluminismo,
caracterizada pela fé na ciência e na técnica e na unicidade do sujeito. Já a
pós-modernidade seria a forma de caracterizar os questionamentos e incertezas
do mundo atual, onde as identidades não são mais construídas através de papéis
unívocos, mas surgem em diálogos plurais entre culturas e sistemas de crença
(HALL, 2001). Essas fragilidades e incertezas contribuem para o florescimento
de novas buscas espirituais que se afastam do catolicismo e das religiões
tradicionais.
A partir da década de 1960
transformações sociais surgidas no pós-guerra como o aumento do tempo de
escolaridade e a expansão do contingente populacional que vive em cidades
possibilitaram a emergência da juventude como agente de mudança social (HOBSBAWN,
1995). Os jovens, confinados por muitos anos vivendo juntos em campus
universitários passaram a desenvolver uma consciência de grupo e crítica aos
valores hegemônicos que deu origem ao movimento conhecido como contracultura. A
contracultura se caracterizou por uma crítica ao capitalismo e aos seus
valores, promovida majoritariamente por jovens que repudiavam o modo de vida
ocidental centrado na busca pelo sucesso profissional e pelo consumismo e pela
reprodução da família patriarcal. Esses jovens se engajaram em protestos
pacifistas nos Estados Unidos contra o imperialismo e a guerra do Vietnã e no movimento
de mulheres, enquanto no Brasil se ligaram a movimentos artísticos como a
Tropicália, aos CPCs e na luta contra a ditadura militar (CALDAS, 2009).
No campo da
espiritualidade, estas inquietações foram a porta de entrada no Ocidente para
uma maior disseminação de filosofias e princípios orientais, que pregam a unicidade
entre homem-natureza, a busca de equilíbrio interior através de práticas como a
meditação, o yoga e o tantra. Movimentos como a ISKON (Sociedade Internacional
para a Consciência da Krishna), Igreja Messiânica e o Seicho-no-ie podem servir
de exemplo da penetração de filosofias orientais no Ocidente. Esses e muitos outros
grupos espiritualistas tiveram grande penetração no Brasil a partir deste
período e hoje se encontram instalados, com sedes e representantes, também na
Amazônia.
Esses novas formas de busca
pelo sagrado foram classificados como novos movimentos religiosos (GUERRIEIRO, 2006); nova era (MAGNANI, 2000; D’ANDREA, 2000), neoesoterismo
(MAGNANI, 1999), nova consciência religiosa (BELAH, 1987) ou grupos
místico-esotéricos (SIQUEIRA, 2002). Esta religiosidade caracteriza-se pelo
trânsito do sujeito religioso por vários espaços sagrados e pela centralidade
na busca individual, em detrimento de instituições e lideranças religiosas.
Nessa busca podem ser apropriados saberes e doutrinas espirituais que tem
origem no Oriente ou em civilizações antigas, como os celtas (Wicca,
druidismo), o Egito antigo (Ordem Rosacruz e sociedades secretas) e os
indígenas americanos (meoxamanismo).
Com o advento da
contracultura, os termos “Nova Era” ou “Era de Aquário” passaram a ser utilizados para caracterizar as transformações espirituais pelas
quais estaria passando a humanidade no final do século XX, que indicariam a
entrada em um novo ciclo. Estes termos fazem referência à mudança de era
astrológica por qual estaria passando o planeta Terra após a segunda metade do
século XX, e que passaria a vigorar a partir do ano 2000. Para os adeptos da
Nova Era, estaríamos vivendo hoje a Era de Aquário, caracterizada por uma
intensa busca espiritual e de integração entre mente e corpo, contrariamente a
Era de Peixes, que se encerra; caracterizada pelo cristianismo, cujo símbolo
máximo é a figura de Jesus Cristo (ARDUÍNO e GUIMARÃES, 2006, p.9).
Uma das características das
práticas religiosas da Nova Era é a ênfase no indivíduo e na sua busca
espiritual, que muitas vezes assume um caráter terapêutico (MALUF, 2005). Mas
estas vivências também podem estar contidas em algumas religiões, ou movimentos
religiosos, que se baseiam em releituras de filosofias e religiões antigas ou
já extintas, propondo uma reconstrução destas religiões adaptada ao mundo
moderno. São exemplos destes movimentos a Wicca, o neoxamanismo, o Hare Krishna
e muitos outros.
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