sábado, 25 de outubro de 2014

Ativismo e militância política entre adeptos da Wicca

A década de 1960 foi marcada por uma relativização nos valores, práticas e comportamentos no que diz respeito à sexualidade e as relações de gênero e por movimentos de crítica ao sistema de produção capitalista. Surgiu neste período um movimento denominado contracultura, que trouxe uma crítica ao patriarcado e ao capitalismo (Hobsbawn, 1995). Este movimento, que teve causas históricas, sociológicas e políticas, também repercutiu na esfera da espiritualidade.  A chamada revolução sexual abalou nas bases alguns princípios sob os quais estavam assentadas a moral e as práticas da religiosidade judaico-cristã, até então hegemônica no Brasil e no Ocidente. Os jovem buscavam uma “sociedade alternativa”, através de viagens, militância política, pacifista, feminista ou ecológica, ou indo morar em comunidades, onde poderiam afastar-se do capitalismo e experimentar novos modos de vida.
No campo da espiritualidade tornou-se um símbolo desta emancipação a (re) criação da Wicca, ou bruxaria moderna. Para seus adeptos, essa religião resgataria as práticas e a espiritualidade dos antigos Celtas, existentes na Bretanha antes dela ser conquistada pelos Romanos e converter-se ao cristianismo. Essa espiritualidade foi denominada pelos cristãos de paganismo, e seus praticantes foram chamados pagão, termo que hoje é resgatado pelos wiccanianos para denominar a espiritualidade que praticam. Além da Wicca, existem outros movimentos religiosos neopagãos, como o Druidismo, o Reconstrucionismo Celta e o Odinismo.
Inicialmente codificada pelo antropólogo amador Gerald Gardner, nas décadas de 1940 e 50, a Wicca passou por uma reformulação durante as décadas de 1960 e 70, profundamente influenciada pelo feminismo. A principal diferença introduzida na Wicca neste período foi a maior ênfase no culto a Deusa, enquanto que a Wicca Gardneriana cultua o casal sagrado, a Deusa e o Deus. A vertente da Wicca cuja maior ênfase é o culto ao feminino é conhecida como Wicca Diânica e é uma das muitas tradições atualmente existentes nesta religião. O culto a Deusa, promovido pelos adeptos da religião Wicca inclui práticas ligadas ao sagrado feminino, com a sacralização da mulher em seus ritos. (Lascariz, 2010: 100).  
Segundo Jeanluis Durte (2008: 140) a emergência e popularização da Wicca na Inglaterra nas décadas de 1950 e 60 está relacionada a perda de centralidade desta nação como principal influência geopolítica e cultural no mundo do pós-guerra. Ao propor uma religião ligada aos deuses antigos e anteriores ao cristianismo, Gerald Gardner e seus discípulos exerceram profundo fascínio na sociedade britânica em crise com o esfacelamento do Império colonial construído durante o período Elizabetano.
Bezerra (2012:39) afirma que é possível perceber os primeiros indícios da presença da Wicca no Brasil na década de 1980. Nesta década foram lançados no mercado literário nacional títulos de autores clássicos na literatura sobre Wicca em língua inglesa, e fizeram sucesso obras de ficção como o romance Brida, do já consagrado escritor Paulo Coelho, e a tradução dos quatro volumes da obra de Marion Zimon Bredley, As Brumas de Avalon.
No final dos anos 1990 os adeptos da Wicca no Brasil buscam uma maior institucionalização com a criação da Abrawicca, Associação Brasileira de Arte e Cultura Wicca consolidada no ano 2000. A associação iniciou neste período a prática de promover encontros anuais, como o Encontro Anual de Bruxos e o BBB, Brux@s Brasileiros em Brasília. A Abrawicca também promove workshops assim como agendas contínuas de atividades públicas em diversas capitais do pais. A associação participa do Comitê da Diversidade Religiosa, ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
            Mais recentemente surgiu a Igreja Brasileira de Bruxaria e Wicca, associação criada também com o objetivo de garantir direitos civis aos pagãos, visto que há o projeto de uma lei das Igrejas em tramitação no Brasil. Caso aprovado, este projeto exigiria, entre outras coisas, que as instituições religiosas estejam organizadas em associações civis para que sejam legalmente reconhecidas. Como o texto da lei utiliza a palavra Igreja, trouxe para os adeptos da Wicca a situação contraditória de precisarem-se agregar sob uma palavra tradicionalmente associada ao cristianismo. Para isso, apresentam uma justificativa:
Compreende-se que Igreja é um termo que vem do latim ecclesia – comunidade, assembleia. Sobre essa questão Mavesper Cy Ceridwen faz a seguinte reflexão: “muito antes de ser usada por cristãos já era usada no paganismo. Utilizamos o temos não para designar um órgão de comando de uma hierarquia rígida, porque inexiste isso na bruxaria. A designação é apenas o que e origem etimológica diz: uma comunidade para todos[1]



[1] Disponível em http://comiter.wordpress.com/artigos/

NEOESOTERISMO E RELIGIÕES ALTERNATIVAS NA AMAZÔNIA: ESBOÇO DE UM CAMPO DE ESTUDOS


O século XX foi marcado pelo avanço do processo de secularização que teve início no Renascimento, o que trouxe a perda da centralidade da religião na organização do mundo, da sociedade e dos saberes. Neste processo, campos como a ciência, o direito e a técnica passam a ser regidos por princípios cada vez mais laicos, ou seja, buscam fundamento em si mesmo e não mais no conhecimento religioso.
Por outro lado, o século XX também assistiu a uma crise de plausibilidade dos sistemas científicos. O paradigma da modernidade, surgido com o advento do Renascimento e que tem seu auge no Iluminismo, caracteriza-se pela objetividade do conhecimento científico, a separação radical entre sujeito e objeto e a aplicação de uma racionalidade instrumental na relação homem-natureza, onde esta última era vista como elemento passivo a ser explorado e apropriado pela razão humana.
No século XX, o advento de duas guerras mundiais, a ameaça de conflito nuclear e a destruição do meio ambiente por conta de avanços tecnológicos, levaram a uma crise deste paradigma. Segundo Giddens (1991), a modernidade é caracterizada percepção do risco e da incerteza. Tanto nas ciências naturais quando por parte de filósofos e humanistas passou a ser voz corrente o questionamento das possibilidades de obtenção de um conhecimento objetivo, racional e seguro. Por outro lado, dependemos cada vez mais destes conhecimentos técnicos para gestão da vida cotidiana.
O paradigma hermenêutico que teve como expoentes Dilthey e Weber, postula a inexistência de objetividade, visto que todo conhecimento sobre o ser humano depende do encontro entre duas subjetividades, a do pesquisador e a do pesquisado. Nas ciências naturais a descoberta da dualidade onda-partícula, postulada pela mecânica quântica e a teoria da relatividade de Einstein também comprovaram, por meios físicos e matemáticos, que a natureza não pode ser tomada como um dado objetivo, pois se modifica a partir da perspectiva sob a qual ela é observada.
Estas críticas dão origem ao paradigma holístico, que busca a superação da dicotomia entre homem e natureza que serviu como base ao projeto de uma ciência neutra, ou objetiva. Para o pensamento holístico todo conhecimento é visto como parte de um todo, no qual o ser humano passa a ser percebido como parte integral da natureza. Esta visão de mundo serve de base para muitas terapias, técnicas ou saberes, a maioria deles de origem não-ocidental que são utilizados para restaurar a unicidade entre o indivíduo e o seu meio, um equilíbrio perdido com a visão fragmentada de sujeito construída no Ocidente.
Muitos desses saberes são partes de tradições milenares deixadas à margem da ciência ocidental, como a astrologia, ou de conhecimentos tradicionais orientais até pouco tempo desconhecidos no Ocidente, como a acupuntura ou o reiki. Mas podem também compreender uma série de práticas de origem recente como as danças circulares sagradas, a biodança, etc.
Segundo Teixeira (1996), o paradigma holístico nasce da crise da racionalidade newntoniana-cartesiana e postula a transdisciplinaridade. Para a autora:
A postura transdisciplinar é uma atitude de encontro entre ciência e tradição, entre ciência e sabedoria. A transdisciplinaridade reata a ligação entre os ramos da ciência com os caminhos vivos de espiritualidade (p. 287).
Hoje é possível verificar, mesmo no Brasil, a oferta de cursos de astrologia, yoga, reiki e acupuntura no seio da Universidade. Por outro lado, os especialistas nestes saberes possuem uma rede de conhecimento paralelo à academia, muitas vezes organizados nos mesmos moldes desta. Alguns exemplos de instituições transmissoras de saberes holísticos que funcionam de forma paralela às universidades são: Universidade Rosa Cruz, Universidade de Yoga, Universidade Aberta, Universidade Holística, etc. Nestas instituições são transmitidos, nos moldes acadêmicos, os saberes anteriormente deixados à margem das academias por não se enquadrarem na matriz de pensamento da ciência moderna. Tais instituições possuem currículos e conteúdos e outorgam diplomas usando a mesma lógica e racionalidade da educação ocidental.
Enquanto existe uma faceta da modernidade que questiona a hegemonia da ciência e atribui espaço e legitimidade a outros saberes, a perda da centralidade da religião, especialmente da Igreja Católica, foi acompanhada por uma pluralização do campo religioso no Ocidente, o que levou a uma maior liberdade individual na escolha das formas de crer.
Devido à fragmentação de conhecimentos e subjetividades no mundo contemporâneo alguns autores preferem caracterizar o período que vivemos hoje sob o rótulo de pós-modernidade. Entendem que o termo moderno refere-se à ordem social criada com o Iluminismo, caracterizada pela fé na ciência e na técnica e na unicidade do sujeito. Já a pós-modernidade seria a forma de caracterizar os questionamentos e incertezas do mundo atual, onde as identidades não são mais construídas através de papéis unívocos, mas surgem em diálogos plurais entre culturas e sistemas de crença (HALL, 2001). Essas fragilidades e incertezas contribuem para o florescimento de novas buscas espirituais que se afastam do catolicismo e das religiões tradicionais.
A partir da década de 1960 transformações sociais surgidas no pós-guerra como o aumento do tempo de escolaridade e a expansão do contingente populacional que vive em cidades possibilitaram a emergência da juventude como agente de mudança social (HOBSBAWN, 1995). Os jovens, confinados por muitos anos vivendo juntos em campus universitários passaram a desenvolver uma consciência de grupo e crítica aos valores hegemônicos que deu origem ao movimento conhecido como contracultura. A contracultura se caracterizou por uma crítica ao capitalismo e aos seus valores, promovida majoritariamente por jovens que repudiavam o modo de vida ocidental centrado na busca pelo sucesso profissional e pelo consumismo e pela reprodução da família patriarcal. Esses jovens se engajaram em protestos pacifistas nos Estados Unidos contra o imperialismo e a guerra do Vietnã e no movimento de mulheres, enquanto no Brasil se ligaram a movimentos artísticos como a Tropicália, aos CPCs e na luta contra a ditadura militar (CALDAS, 2009).
No campo da espiritualidade, estas inquietações foram a porta de entrada no Ocidente para uma maior disseminação de filosofias e princípios orientais, que pregam a unicidade entre homem-natureza, a busca de equilíbrio interior através de práticas como a meditação, o yoga e o tantra. Movimentos como a ISKON (Sociedade Internacional para a Consciência da Krishna), Igreja Messiânica e o Seicho-no-ie podem servir de exemplo da penetração de filosofias orientais no Ocidente. Esses e muitos outros grupos espiritualistas tiveram grande penetração no Brasil a partir deste período e hoje se encontram instalados, com sedes e representantes, também na Amazônia.
Esses novas formas de busca pelo sagrado foram classificados como novos movimentos religiosos (GUERRIEIRO, 2006); nova era (MAGNANI, 2000; D’ANDREA, 2000), neoesoterismo (MAGNANI, 1999), nova consciência religiosa (BELAH, 1987) ou grupos místico-esotéricos (SIQUEIRA, 2002). Esta religiosidade caracteriza-se pelo trânsito do sujeito religioso por vários espaços sagrados e pela centralidade na busca individual, em detrimento de instituições e lideranças religiosas. Nessa busca podem ser apropriados saberes e doutrinas espirituais que tem origem no Oriente ou em civilizações antigas, como os celtas (Wicca, druidismo), o Egito antigo (Ordem Rosacruz e sociedades secretas) e os indígenas americanos (meoxamanismo).
Com o advento da contracultura, os termos “Nova Era” ou “Era de Aquário” passaram a ser utilizados para caracterizar as transformações espirituais pelas quais estaria passando a humanidade no final do século XX, que indicariam a entrada em um novo ciclo. Estes termos fazem referência à mudança de era astrológica por qual estaria passando o planeta Terra após a segunda metade do século XX, e que passaria a vigorar a partir do ano 2000. Para os adeptos da Nova Era, estaríamos vivendo hoje a Era de Aquário, caracterizada por uma intensa busca espiritual e de integração entre mente e corpo, contrariamente a Era de Peixes, que se encerra; caracterizada pelo cristianismo, cujo símbolo máximo é a figura de Jesus Cristo (ARDUÍNO e GUIMARÃES, 2006, p.9).
Uma das características das práticas religiosas da Nova Era é a ênfase no indivíduo e na sua busca espiritual, que muitas vezes assume um caráter terapêutico (MALUF, 2005). Mas estas vivências também podem estar contidas em algumas religiões, ou movimentos religiosos, que se baseiam em releituras de filosofias e religiões antigas ou já extintas, propondo uma reconstrução destas religiões adaptada ao mundo moderno. São exemplos destes movimentos a Wicca, o neoxamanismo, o Hare Krishna e muitos outros.